segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

Reflexões numa Unidade de Cuidados Intensivos



Observo que quem não fez as pazes com o seu passado, com as experiências vividas na infância e adolescência e com as pessoas que fizeram parte delas, como  a mãe e o pai,  mais cedo ou mais tarde virão ao de cima os sentimentos de culpa, os ressentimentos e os medos.  E podem surgir numa situação repentina de doença súbita de alguém próximo.

Tenho um familiar na Unidade de Cuidados intensivos e, nestes tempos , atravesso uma fase de introspeção, que me leva a refletir, a observar, a questionar muito mais do que habitualmente ,  e o Trabalho de Sombra está comigo a apoiar-me.  Nestes momentos de introspeção, vem a mim  muita informação, muita descoberta, que noutros momentos não aparecem com tanta intensidade. Aproveito para registá-los e desse registo nasce este texto.

No inicio desta situação surgiu a vontade de ir ao passado à procura de situações que eu não tivesse trabalhado, e com as quais não estivesse em paz e que envolvessem esta pessoa. Não encontrei.  Acabei por descobrir que estou em paz com a maior parte das situações da infância e adolescência (praticamente 6 anos a trabalhar-me...). Se o meu familiar partir agora, eu estou em paz. Embora ainda tenha trabalho a fazer acerca do tema ‘’morte’’ pois as crenças à volta deste tema passam de 
uns para os outros e ninguém nos ensina (porque também não sabem) que apenas o corpo morre. O Ser permanece vivo na mente e coração de cada um.

Foi necessário efetuar uma operação de risco e senti-me em paz na maior parte do tempo. Nalguns momentos fui atravessada por nervosismo e, descobertos os pensamentos por detrás, foi questioná-los, descobrir a verdade por detrás e a paz voltou.  

Ensinaram-nos, ao longo dos tempos, através de atitudes e comportamentos que quem não sofre pelo outro não se importa, ‘’não tem sentimentos’’. Será que é mesmo mesmo assim ? 
Será que ainda acreditamos no Pai-Natal?

Nos momentos de paz que senti quando estava na sala de espera dos Cuidados Intensivos, tive a perceção de que tudo estava bem, qualquer que fosse o desfecho.
Chegavam-me pensamentos, sem qualquer esforço da minha parte para pensar isto ou aquilo, que Deus, a Fonte da Vida apoia sempre naquilo que é preciso.

Quando  entro mesmo na sala dos Cuidados intensivos, o que me saltou à cabeça? 
''anjos na forma humana'': enfermeiros, médicos.

Corri com o olhar as cerca de 8 ou 9 camas que ali se encontravam, observei e senti o silêncio, sossego; observei a vida humana a ser apoiada e mantida (enquanto ela quiser) através de fiozinhos, tubinhos milagrosos que permitem acompanhar os sinais vitais nos écrans e permitem o alimento do corpo. Tive a sensação de que ali há paz!Está tudo bem !

Nesta Unidade, as visitas são muito restritas, assim como o tempo de permanência. O que importa ali, é a vida dos Seres Humanos que ali se encontram, no seu processo!

Observei pessoas que não conseguiram entrar na Unidade. Estavam em estado emocional alterado. 

Contaram que o que incomodava era o que vinha à mente , sobre alguém que partiu e com quem não estavam em paz. Na verdade o que a pessoa via, não era aquele que ali estava deitado e sim, a memória do seu passado que não estava resolvida dentro de si. 

Observo que é isto que acontece quando não estamos em paz com o passado. As situações de outros irão despoletar essas memórias antigas de dores não resolvidas. E a pessoa pensa que o que sente tem a ver com o que está diante de si.

Observei outros familiares que vieram em grupo. Andavam de um lado para o outro, falavam alto e cada vez que podiam, escapavam-se para o pé do doente, em número maior do que o permitido, até lhes ser dito para saírem, para o bem do doente. 

Vi inquietação neste grupo, como se estivessem, a lidar com os seus medos, com o desconforto perante a ausência de controlo sobre a vida, os sentimentos de perda que não estão trabalhados, as crenças da infância que não foram questionadas, a necessidade de ver o outro bem para se sentirem bem, a necessidade de animar o doente,  sentimentos de impotência face às circunstâncias. 

Nestes momentos, aparecem também sentimentos de culpa  e pensamentos que dizem que eu ‘’devia’’ ter feito isto ou aquilo, ‘’não fiz isto ou aquilo’’, como se estivesse ainda algo em aberto. 

Aquilo a que queremos fugir e pensamos que atirámos para ´´trás das costas’’ , permanece vivo no inconsciente e, o sofrimento que queriamos evitar, aí está de novo. Não é possível esquecer. A mente Inconsciente não deixa.

Estou consciente de que se não estivesse a fazer trabalho de sombra humana  há uns anos,  a minha reação e atitude face às circunstâncias teriam certamente sido diferentes.

Cada vez tenho uma perceção maior de que o Trabalho de Sombra é dos trabalhos de transformação pessoal mais eficazes e profundos que encontrei até hoje, nos 15 anos de desenvolvimento pessoal e Espiritualidades , em que muito do que aprendi e trabalhei antes, não passava da superfície dos meus dramas.

Com a continuação, ao longo do tempo, o Trabalho de Sombra ajuda-nos a fazer as pazes com essas memórias, a encerrar os capítulos da nossa vida que ficaram em aberto.  Essas memórias permeiam a nossa vida no Presente e vivem ao longo de anos, na mente de cada um, quando afinal os acontecimentos já passaram há muito tempo…

Quem terá maior lucidez e discernimento , alguém em stress, em estado emocional alterado ou alguém em paz ? Quem será mais útil a um doente ? Alguém que sofre com ele ou alguém que está em paz ao pé dele (sem fingir) ?
Com quem é que um doente se sentirá melhor, com alguém a sofrer com ele ou alguém que lhe mostra uma paz autêntica ?


Até Breve!
Ângela Antunes

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