Observo que quem não fez as pazes com o seu passado, com as experiências vividas na infância e adolescência e com as pessoas que fizeram parte delas, como
a mãe e o pai, mais cedo ou mais tarde virão ao de cima os
sentimentos de culpa, os ressentimentos e os medos. E podem
surgir numa situação repentina de doença súbita de alguém próximo.
Tenho um familiar na Unidade de Cuidados intensivos e,
nestes tempos , atravesso uma fase de introspeção, que me leva a refletir,
a observar, a questionar muito mais do que habitualmente , e o Trabalho de Sombra está comigo a
apoiar-me. Nestes momentos de
introspeção, vem a mim muita informação,
muita descoberta, que noutros momentos não aparecem com tanta intensidade.
Aproveito para registá-los e desse registo nasce este texto.
No inicio desta situação surgiu a vontade de ir ao passado à
procura de situações que eu não tivesse trabalhado, e com as quais não
estivesse em paz e que envolvessem esta pessoa. Não encontrei. Acabei por descobrir que estou em paz com a
maior parte das situações da infância e adolescência (praticamente 6 anos a trabalhar-me...). Se o meu familiar partir
agora, eu estou em paz. Embora ainda tenha trabalho a fazer acerca do tema
‘’morte’’ pois as crenças à volta deste tema passam de
uns para os outros e ninguém nos ensina (porque também não sabem) que apenas o corpo morre. O Ser
permanece vivo na mente e coração de cada um.
Foi necessário efetuar uma operação de risco e senti-me em
paz na maior parte do tempo. Nalguns momentos fui atravessada por nervosismo e,
descobertos os pensamentos por detrás, foi questioná-los, descobrir a verdade por detrás e a paz voltou.
Ensinaram-nos, ao longo dos tempos, através de atitudes e
comportamentos que quem não sofre pelo outro não se importa, ‘’não tem
sentimentos’’. Será que é mesmo mesmo assim ?
Será que ainda acreditamos no Pai-Natal?
Nos momentos de paz que senti quando estava na sala de espera dos Cuidados Intensivos, tive a perceção de que tudo estava bem, qualquer que fosse o desfecho.
Chegavam-me pensamentos, sem qualquer esforço da minha parte para pensar isto ou aquilo, que Deus, a Fonte da Vida apoia sempre naquilo que é preciso.
Quando entro mesmo na sala dos Cuidados intensivos, o que me saltou à cabeça?
''anjos na forma humana'': enfermeiros, médicos.
Corri
com o olhar as cerca de 8 ou 9 camas que ali se encontravam, observei e senti o silêncio, sossego; observei a vida humana a ser apoiada e mantida (enquanto ela quiser)
através de fiozinhos, tubinhos milagrosos que permitem acompanhar os sinais
vitais nos écrans e permitem o alimento do corpo. Tive a sensação de que ali há
paz!Está tudo bem !
Nesta Unidade, as visitas são muito restritas, assim como o
tempo de permanência. O que importa ali, é a vida dos Seres Humanos que ali se
encontram, no seu processo!
Observei pessoas que não conseguiram entrar na Unidade.
Estavam em estado emocional alterado.
Contaram que o que incomodava era o que
vinha à mente , sobre alguém que partiu e com quem não estavam em paz. Na verdade o
que a pessoa via, não era aquele que ali estava deitado e sim, a memória do seu
passado que não estava resolvida dentro de si.
Observo que é isto que acontece quando não
estamos em paz com o passado. As situações de outros irão despoletar essas
memórias antigas de dores não resolvidas. E a pessoa pensa que o que sente tem
a ver com o que está diante de si.
Observei outros familiares que vieram em grupo. Andavam de
um lado para o outro, falavam alto e cada vez que podiam, escapavam-se para o
pé do doente, em número maior do que o permitido, até lhes ser dito para saírem,
para o bem do doente.
Vi inquietação
neste grupo, como se estivessem, a lidar com os seus medos, com o
desconforto perante a ausência de controlo sobre a vida, os sentimentos de
perda que não estão trabalhados, as crenças da infância que não foram
questionadas, a necessidade de ver o outro bem para se sentirem bem, a necessidade
de animar o doente, sentimentos de
impotência face às circunstâncias.
Nestes momentos, aparecem também sentimentos de culpa e pensamentos que dizem que eu ‘’devia’’ ter
feito isto ou aquilo, ‘’não fiz isto ou aquilo’’, como se estivesse ainda algo
em aberto.
Aquilo a que queremos fugir e pensamos que atirámos para ´´trás das costas’’ ,
permanece vivo no inconsciente e, o sofrimento que queriamos evitar, aí está de
novo. Não é possível esquecer. A mente Inconsciente não deixa.
Estou consciente de que se não estivesse a fazer trabalho de
sombra humana há uns anos, a minha reação e atitude face às
circunstâncias teriam certamente sido diferentes.
Cada vez tenho uma perceção maior de que o Trabalho de
Sombra é dos trabalhos de transformação pessoal mais eficazes e profundos que
encontrei até hoje, nos 15 anos de desenvolvimento pessoal e Espiritualidades ,
em que muito do que aprendi e trabalhei antes, não passava da superfície dos
meus dramas.
Com a continuação, ao longo do tempo, o Trabalho de Sombra
ajuda-nos a fazer as pazes com essas memórias, a encerrar os capítulos da nossa
vida que ficaram em aberto. Essas
memórias permeiam a nossa vida no Presente e vivem ao longo de anos, na mente
de cada um, quando afinal os acontecimentos já passaram há muito tempo…
Quem terá maior lucidez e discernimento , alguém em stress, em estado
emocional alterado ou alguém em paz ? Quem será mais útil a um doente ? Alguém
que sofre com ele ou alguém que está em paz ao pé dele (sem fingir) ?
Com quem
é que um doente se sentirá melhor, com alguém a sofrer com ele ou alguém que
lhe mostra uma paz autêntica ?
Até Breve!
Ângela Antunes
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