domingo, 1 de maio de 2016

O futebol e a sombra humana: um belo fenómeno de observar e refletir

O futebol é um fenómeno que move multidões.   
Que fenómeno será este?

Foi com 17 anos que comecei a ir ao estádio ver jogos de futebol com um tio que já partiu deste mundo. O entusiasmo dele contagiava-me. Quantas vezes caminhei com ele quase 2kms desde o Metro até ao estádio, pois a linha ainda não chegava até ali. Recordo com carinho a diversão, o entusiasmo que vivíamos naqueles jogos, naquele ambiente.
Era nos jogos de futebol, que me permitia expressar a minha alegria reprimida, o entusiasmo reprimido e também libertar a raiva acumulada. Era viciante. Queria mais e mais. Só sabia que me sentia bem ali. Ali, eu era eu, de verdade. Na altura não estava consciente disto. Só há pouco tempo, com o trabalho da sombra humana me apercebi.  Tornei-me então observadora de mim e das pessoas á minha volta.

Gosto de futebol. Vejo arte, vejo seres humanos a viver o seu dom. Não importa se é esta ou aquela equipa.

E adoro observar uma multidão num estádio. E eu continuo a gritar, a agitar o cachecol e a cantar, como eles fazem. Diverte-me. A família ri-se comigo pois fico tão entretida a observar o movimento da multidão e a tirar fotos que raramente vejo os golos!E Não me importo. Desfruto à minha maneira.

Divirto-me também quando assobiam e ‘’a culpa é do árbitro’’ ou quando  ''elogiam'' este ou aquele personagem com vocabulário não muito simpático. Faz parte do espetáculo. Ensinaram-nos em criança a encontrar culpados. E assim repetimos o que aprendemos até deixarmos de o fazer . E cada humano faz o melhor que consegue.

Onde entra a Sombra Humana? 

Observo que no estádio, o ambiente favorece  a saída do que cada um tem reprimido na sombra, desde a sua infância. Hoje somos adultos com emoções e carateristicas reprimidas. 
E não é uma coisa má. 
É um motor que nos empurra para a nossa própria maturidade e evolução.

Em crianças, muitos de nós vivemos situações em que nos sentimos injustiçados, humilhados, envergonhados.  Para sermos aceites no meio, reprimimos partes de quem somos… no meu caso, a alegria, o entusiasmo , a espontaneidade, a flexibilidade... 

Outros, terão fechado à chave a sua raiva, que lhes permitia dizer ''não'' ou manifestar o seu desagrado e ter-se-ão tornado pessoas boas e de paz e que expressam retidão, e defendem os bons costumes. Aparentemente.

Só fecharam á chave a energia que, vivida e expressa de forma saudável lhes permite alcançar o que querem na vida e viverem a integridade e o respeito por si. 

O que será que as pessoas que se dizem ‘’de paz’’ fazem ao seu lado zangado?
Inconcientemente, esse lado não vivido em si irá viver-se naqueles que os rodeiam, na família, no trabalho, nas finanças, na saúde,entre outras coisas. 
E depois relacionam-se com a sua sombra no dia-a-dia. Tem a ver com os nossos dramas.
E também estou a falar de mim.

O que está reprimido, continua lá a ganhar energia até ao momento em que as circunstâncias exteriores são propícias. Alguém diz algo ou tem um comportamento que provoca em nós uma reação emocional; o que está na sombra vem para fora.
 No futebol são os jogadores, árbitros, os treinadores, os adeptos da outra equipa, cujos comportamentos despertam informação que está aprisionada na sombra de cada adepto nas bancadas e fora.

Num estádio de futebol, pode ser observado este fenómeno em ação. E não há nada de errado nisto.
Torna-se prejudicial para cada um, apenas quando não reconhece.

Num estádio tornou-se ''normal'' e ''aceitável'' desde os insultos, a dizer palavrões até tornar os jogadores e a equipa em geral em ídolos ou ''deuses''. É o outro lado. O que não conseguimos reconhecer de bom em nós, as nossas melhores capacidades, ou não estamos a viver irá projetar-se também na equipa.

As equipas recebem as nossas projeções de sombra, de todos os adeptos e simpatizantes daquele clube, tanto as negativas como as positivas. 

Cheguei a ouvir, nas áreas da Espiritualidade, que a vibração das pessoas nos estádios era muito baixa. E quem tem uma vibração mais elevada não entra naqueles lugares. E eu acreditava nisto. Um dia, a trabalhar a sombra descobri que era mentira.

Será que alguém pode ser mais espiritual só porque não frequenta estádios de futebol, não come carne nem peixe e tem hábitos de vida mais saudáveis? Ou porque pratica Yoga e meditação ?ou porque lê livros de Osho, Paulo Coelho e frequenta cursos de Reiki?

Bom, eu fiz vários níveis de Reiki, práticas xamânicas, cura reconetiva e Reconexão e muitas mais coisas e cheguei a pensar assim. Afinal era apenas a minha arrogância. Achar-me superior aos outros. 

E afinal espirituais somos todos. Espíritos que habitam corpos. É a minha visão das coisas e posso vir a descobrir que estou enganada e mudar de ideias.

Como posso censurar as pessoas que, num estádio, se enfurecem por aquilo que acontece em campo, e essa fúria transparece nos gestos, na expressão facial, nas palavras?
Como teria sido a sua infância?
Como será a sua vida no momento?
Quem sou eu para apontar o dedo?
Que furias trago escondidas, que não consigo deitar cá para fora e me corroem por dentro?

Pelo menos ali descarrega-se tudo isso.

Em que situações do passado ou presente terei eu reagido de forma semelhante? 
Ou o que faço para não mostrar essa minha faceta em público? O que abdico de mim?
Ou será que acredito que ''não sou assim''?
De que forma me seria útil se me permitisse expressar o meu lado zangado? De que forma me deixei prejudicar por não querer ser assim em público? de que tinha medo?

Como posso censurar as pessoas que num estádio dizem asneiras?
E o que são asneiras? 
E que asneiras digo eu para dentro de mim?
Talvez quando me censuro pelo que sou ou pelas minhas decisões. Ou quando acredito que falhei. Quando me sinto inferior a outros. Ou quando me meto nos assuntos que só dizem respeito aos outros.

Dizer ''palavrões'' acaba por ser saudável e uma forma de descarregar energia tóxica acumulada.

Sinto-me encantada num estádio de futebol, no meio da multidão. Vejo que sou muito parecida com eles. Estou no meio de partes minhas. Eles mostram-me a minha sombra. 

À medida que vou abraçando esses aspetos que, antigamente me causavam desconforto, agora não me incomodam. 
Desfruto do ambiente. Vejo beleza, arte, entusiasmo. Vejo pessoas a viver os seus dons.
Não vejo coisas más ou malfeitas.

Quantos de nós gostariamos que a vida nos trouxesse oportunidades de viver e ganhar a vida com os nossos dons?
Por experiência própria posso dizer que quando estamos a viver os nossos dons, há sempre gente a deitar abaixo (talvez movido pela inveja) e há sempre gente a gostar e elogiar.
Haverá sempre de tudo.

Carl Jung fala de uma sombra coletiva, para além da sombra individual.

Uma multidão num estádio de futebol,  carrega a sombra coletiva, tanto de grupos  como de individuais (todos nós) cujos preconceitos e regras levam-nos a negar os seus aspetos negativos como expressar raiva, gritar, dizer palavrões.

Mostram apenas o lado sereno, compreensivo, amoroso (e que por dentro não corresponde ao que é sentido). O que rejeitam, o que não querem ser ou não reconhecem em si, projeta-se. Alguém irá carregar a sua sombra.

O inverso também é verdade.

Esta é apenas a minha perspetiva, neste momento, resultado da observação e do trabalho que faço sobre a minha sombra.
Detetar a sombra em ação não algo assim tão obvio.
Requer trabalho de sombra feito connosco.

E não temos o direito de apontar o dedo a ninguém ou pôr a descoberto a sombra de quem quer que seja. Quando acusamos outros, a nossa sombra diz-nos, ''É de ti que se trata. Olha para ti. Trata da tua sombra''.

Ângela Antunes

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